Estado laico não é ateu ou agnóstico, diz Ives Gandra Martins e 3 comentários pertinentes
Matéria publicada no ConJur:
O Estado laico não é ateu ou
agnóstico. É um estado que está desvinculado, nas decisões dos cidadãos que o
assumem, de qualquer incidência direta das instituições religiosas de qualquer
credo. Com essas afirmações, o jurista Ives Gandra Martins abriu sua palestra
no seminário sobre liberdade religiosa promovido, nesta terça-feira (21/5),
pela Associação dos Advogados de São Paulo.
O “papa do universo jurídico”, como
Gandra foi chamado pelo diretor cultural da Aasp, Luís Carlos Moro, sustentou
suas afirmações citando o preâmbulo da Constituição Federal, que diz “nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático (...) promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
“A Igreja Católica, os evangélicos ou
judeus não estiveram lá [na Assembleia Constituinte] como instituições. Foram
os cidadãos, de acordo com suas convicções, eleitas pelo povo, que definiram
contra o voto daqueles que não acreditavam em Deus”, afirmou o jurista.
Gandra (foto) brincou com a diferença
entre as redações da Constituição de 1988 e da Emenda Constitucional 1, de
1969, época da ditadura militar. “Os nossos constituintes eram extramente
presunçosos para colocar [o trecho “sob a proteção de Deus”]. No regime
militar, eles sabendo que não tinham legitimidade, eram muito mais humildes. Na
Emenda Constitucional 1, eles invocaram a proteção de Deus, porque não sabiam
se ele iria concordar com aquilo que lá estava”.
Em seguida, questionou, sob o ponto
de vista da liberdade de expressão, os contrastes entre as diversas convicções.
“Quando se diz que, em um Estado laico, quem tem religião não tem voz — porque
vai levar suas convicções —, a pergunta que se faz é: e aqueles que têm
convicções diferentes, quando levam suas convicções, com que direito levam, em
um país em que a liberdade de expressão é absoluta?”
Em seu artigo 5, a Constituição
garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegura o
livre exercício dos cultos religiosos e garante, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e suas liturgias.
Teorias abrangentes
Voltando ao ponto da convivência
entre crenças, Gandra citou as chamadas teorias abrangentes, que, segundo ele,
levam à ditadura. “As teorias abrangentes, como aconteceu com o marxismo,
comunismo, nazismo, fascismo, Cuba e as ditaduras islâmicas, não permitem que
se raciocine de forma diferente daqueles que os detentores do poder."
Para o jurista, a democracia é
caracterizada pelo inverso, ou seja, a coexistência de teorias não abrangentes
e de oposições. “É a convivência das convicções de cada, fazendo com que
prevaleça o pensamento das pessoas que terminam sendo a maioria e sempre,
evidentemente, com o respeito das minorias, desde que não sejam conflitantes.”
Assistencialismo religioso
O jurista defendeu a importância do
assistencialismo religioso citando dados do livro Como Defender a Igreja.
Segundo a obra, no mundo inteiro, a Igreja Católica conta com 165 associações
nacionais de caridade e administra 5 mil hospitais e 17,5 mil ambulatórios. Na
África, educa 12 milhões de crianças a cada ano.
“É interessante notar que todo esse
trabalho que se faz não aparece nos jornais”. Ele evocou as palavras do
escritor americano Mark Twain, morto em 1910, que afirmou ser papel da imprensa
separar o joio do trigo para, em seguida, publicar o joio.
Para Gandra, essas entidades fazem o
papel do Estado. “Com uma carga tributária de 37%, nós temos serviços públicos
de péssima qualidade. Essas instituições religiosas fazem o que os governos
deveriam fazer com nossos recursos e não fazem”, afirmou.
“Pessoas complexadas”
O jurista afirmou não ver problema na
presença de símbolos religiosos em prédios públicos. Segundo ele, se chegarmos
ao ponto de os eliminarmos, os nomes dos estados de São Paulo, Santa Catarina e
Espírito Santo deveriam ser mudados e o Cristo Redentor, destruído.
“Todos que têm preconceitos contra
símbolos religiosos, de qualquer religião, são, a meu ver, complexadas”,
afirmou.
▬ Os 03 Comentários pertinentes a saber:
Ao Senhor
Nicolas Baldomá:
Igor
M. (Outros)
Primeiramente,
meus parabéns por seus argumentos, que foram lógicos de inteligentes. Somente
discordo no que tange que o Estado laico é agnóstico – confundido com
neutralidade. Este não é a mesma coisa daquele, e nem é uma posição leiga. O
agnosticismo, como corrente filosófica, compreende em assumir que não há como
provar (filosoficamente, e não cientificamente) a existência ou inexistência de
deus(es). Ele assume uma postura a partir do momento que questiona a existência
ou não de deus (es). Há uma posição, e esta é escolhida posteriormente:
indiferença, agnosticismo teísta ou ateísta. A neutralidade não se confunde com
isso, pois não há sequer questão sobre a existência ou inexistência de deus (es),
até mesmo para não adentrar nas questões sobre verdades da fé. O Estado é
inerte quanto a isso, pois não possui sentimento privado para ter essas dúvidas
– cumpre somente função pública.
Sempre a mesma retórica de jogar para platéia
(3):
Igor M. (Outros)
Fico perplexo ver pessoas caindo nesse
sofisma que joga para a platéia. A afirmação “estado laico não é ateu nem
agnóstico”, repetido ad nauseam
por Ives Granda (e irradiado por um monte de gente que vive de jargões), além
de constituir uma tentativa de argumentum ad terrorem (“se não defender o que defendo,
estarão defendendo um estado ateu e agnóstico”),
é no campo jurídico uma frase vazia, sem conteúdo, tacanho, inútil. Da mesma
forma que o Estado laico não é teísta ou politeísta, ou cristão, não é ateu ou
agnóstico – é axiologicamente neutro!
Por fim, triste a confusão – intencional – que fazem
entre Administração Pública, com seus prédios, atos e funções, com feriados,
locais, cidades (e seus nomes) ou logradouros públicos. São coisas distintas, e
retirar símbolos religiosos das repartições públicas (prédios da Administração
Pública) não significa mudar nome de cidades ou locais (mais uma vez, ad
terrorem do tributarista). Aliás, sobre feriado, o Canadá já possui discussão
no âmbito jurídico, com decisões judiciais, no sentido de que eles só devem ser
voltados aos fiéis das respectivas religiões, e não para todas – ou seja, em
dia sagrado de católicos, por exemplo, somente católicos podem gozar do
feriado. Mas como no Brasil estamos absurdamente atrasados no conhecimento do
conteúdo jurídico do princípio da laicidade – e das liberdades religiosas –,
ainda demorará algumas décadas para se discutir neste nível de inteligência.
Sempre a mesma retórica de jogar para platéia
(2):
Igor
M. (Outros)
Os “preconceituosos” e “complexados”
que escreveram o que citei são, no primeiro caso, José Joaquim Gomes Canotilho
e Vital Moreira e, no segundo, Ronald Dworkin, dois respeitabilíssimos
constitucionalistas e estudiosos do princípio da laicidade, que, como se vê, ao
contrário do tributarista, observa o significado e valor das simbologias e a
importância e necessidade do Estado mantê-las afastadas de suas repartições.
Não à toa que a maioria dos livros que se debruçam no tema vão nesta linha (em
oposição só conheço André Ramos Tavares e, em artigos, Ives Granda, que fazem
grandes contorcionismos para tentar valer suas preferências religiosas).
Ademais, o preâmbulo constitucional não é a Constituição.
Não tem força normativa. Não é componente obrigatório ou necessário. Não tem
relevância que não passe do campo da simbologia. É expressão da posição ideológica da pessoa do constituinte, e não
expressão do povo. Contrário fosse, seriamos um Estado confessional
monoteísta – em oposição ao sentimento dos ateus, agnósticos, deístas e
politeístas, dentre outras possíveis denominações. Não seriamos Estado laico.
Isso já foi dito na ADIn 2.076-5/AC, por isso é inválido usá-la como fundamento
para privilegiar símbolos cristãos – católicos, sendo mais específico – nas
repartições públicas.
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