"Inimigo meu: o meu colega trabalhador da educação" - o filme da vida real
Nas Escolas Públicas, muitas vezes o inimigo do professor é "outro" professor! |
DesProf.Peixoto*
“Inimigo meu” é o nome de um filme do gênero
ficção científica, produzido nos Estados Unidos em 1985. Assisti na sessão da
tarde da rede Globo. Faz algum tempo. Mas diante dos tratamentos dispensados
aos professores readaptados nas escolas públicas do Brasil e, em especial, em
Rondônia onde me exilei desde 1990, vivo tratamento igual ou pior desde 20 de
outubro de 2009 quando uma colega diretora e gente do grupo dela dentro da
escola que lecionava história deram um jeitinho sutil e eficaz de acabar com o
prazo de validade dos meus nervos e do meu controle emocional, me transformando
num radicalmente “outro”, um “readaptado”. Lembrei-me então desse filme! Antigo
na produção, atualíssimo na temática. O que hoje vemos e que é apresentado no
filme é a mais pura realidade. Peixotofobia [no meu caso], intolerância, indiferença
ao próximo, desdém, ironias burras, discriminações variadas, preconceitos
diversos, reações emocionais e irracionais diante do 'outro' em que o
readaptado foi transformado, diante do radicalmente diferente que o readaptado passou
a ser visto. O professor readaptado [ou outro servidor público] é aquele que: tornou-se
descartável, aquele que não leciona como os demais “normais”, que não trabalha em
sala de aula como os demais, que não tem que aguentar as inúteis e
insuportáveis reuniões relâmpagos e ordinárias para ouvir ladainhas de colega
diretor, orientadores e supervisores como os ditos “normais”, que não tem também
de ouvir e tolerar- na marra- as inúmeras besteiras de alunos mal orientados e
intencionados postas em “debate” nos chatos conselhos de classe, que não é
coagido a vir trabalhar dia de sábado e participar de feiras de “cu...ltura” como
os restantes da manada docente e, pior, em muitos dos casos, o desgraçado nem sequer
bali, não diz amééémmm... Não reza pela mesma cartilha pedagógica ou política
da panelinha dos gestores da escola onde trabalha e seus apaniguados como parece
“normal” em todas as escolas.
- Um piloto militar humano e outro de origem reptiliana entra
em combate no espaço próximo a um planeta inóspito e desabitado. Ambos são
abatidos e caem perto um do outro. A desconfiança mútua, baseada no 'ouvi dizer', nas
suposições e conjecturas a respeito do “outro'', se apresentam logo no início,
preparando o ambiente para um confronto mortal. No entanto, a necessidade de
sobrevivência e de convivência os faz se aproximarem, pois a cooperação, e não
a competição será o único jeito deles de continuarem vivos. Além das diferenças
morfológicas, de língua e visão de mundo, há toda uma diversidade no arsenal
tecnológico usado, nas crenças e costumes, embora o propósito inicial de ambos
seja o mesmo: conquista e domínio. O convívio os forçará a ver que, ao final de
tudo, superada a barreira do medo e da linguagem, estabelecido o diálogo,
descobrem que todas as crenças apontam para uma verdade única: a cidadania
cósmica e o direito à vida e de ser e viver como se deseja. Ao longo da trama e
dos muitos perigos vividos juntos, a amizade e a lealdade se consolidam levando
a um final muito interessante, curioso e provocador de variadas reflexões nos
leitores e leitoras estudantes ou trabalhadores da educação que deseje refletir,
por si mesmo, que nossa humanidade pode ser diferente, pode ser melhor, pode ir
além, transcender e ser vivida com intensidade a partir de um ambiente comum: a
escola pública.
Diante de problemas dentro das escolas, crises do próprio
sistema de ensino existente, diante de ajustes internos da escola a leis feitas
nas coxas, na marra e a revelia dos que por elas serão afetados, diante de perseguições
internas por diferença de opinião, fricotes e viadagens de antigos professores
há muito já estabelecidos dentro da escola, integrantes da panela do diretor, muitos
que nunca foram descartados ou devolvidos de uma escola para outra, diante de
críticas e cobranças imbecis vindas de fora, vindas de professores-de-gabinetes,
os alunos eram sempre os únicos responsabilizados pelo fracasso do ensino,
agora é a vez dos professores-de-fatos, os ditos “normais” ou “readaptados”.
Entre esses os “readaptados” leva a pior carga de culpa. Sendo estigmatizados
até pelos os que ainda não foram adoecidos pelo sistema. Impressiona ver como o
avanço técnico-científico não foi acompanhado pela escola pública e um dos seus
principais protagonistas: a maioria dos próprios trabalhadores da educação por
um equivalente avanço no campo ético e da convivência. O inimigo meu sendo meu
próprio colega de profissão!
Estamos vivendo um processo civilizatório nas escolas de
Rondônia às avessas, troncho e capenga. Reprodução medíocre do que acontece em
plano maior no País dos emergentes da classe C. A barbárie educacional
travestidas de nomes pomposos, porém vazio de autenticidade e de ética, isto é,
de preocupação verdadeira com o que acontece com o “outro”, com o bem estar
dele se mostra com todas as cores e formas. O desprezo e a hostilidade direta e
indireta para com o 'outro' supera o medo das ideologias, das diferenças
religiosas e políticas até. O ser humano teme, hostiliza, isola, descarta,
coisifica qualquer outro ser humano que se aproxime ou que tente fazer parte do
mesmo meio. Desconfianças, insegurança, e inúmeros outros sentimentos ruins
chegou ao nível quase paranoico. As sociopatias dentro e fora da escola
aumentam tanto quanto os ressentimentos obscuros.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman fala em medo líquido
(Z. Bauman, Medo Líquido, Jorge Zahar Ed., 2006). Medo que resume bem os
sentimentos ruins acima escritos. Não é um medo qualquer, mas um medo pegajoso
que se gruda no próprio ser e do qual não se livra facilmente. Nas cidades e
dentro das escolas dessas cidades, as pessoas, no caso aqui os professores,
temem-se umas às outras. Daí as panelinhas, os inferninhos, o espírito de
manada, os pequenos cardumes de piranhas ou de tubarões que existem em todas as
escolas públicas. Um clima de suspeita permanente se instala, favorecendo a
proliferação dos predadores urbanos, escolares docentes e discentes de todos os
tipos.
Karl Marx escreveu que os sofrimentos coletivos são as
dores do parto de uma civilização grávida de outra. Esperemos que sim! Mas no
caso das escolas públicas, os sofrimentos nem sempre são coletivos, mas
singulares. Os readaptados estão se multiplicando, porém, estão dispersos,
espalhados, não andam em bando, nem manadas ou cardumes. Na coletividade maior onde
as escolas se encontram há poder armazenado suficiente para nossa
autodestruição. As mudanças climáticas exigem urgente mudança de comportamento
em relação ao planeta e ao padrão de consumo. A maioria das pessoas não parece
estar a par da gravidade da situação e a entrega para ser solucionada pelo
Estado. O Estado é uma abstração perigosa. Na prática são pessoas interessadas
em garantir interesses pessoais, grupais ou de corporações. Só uma minoria de
políticos se ocupa com o bem-estar da população. E a escola não tem passado de
mais um de seus aparelhos ideológicos: regulador de mentes e corações não só
dos alunos que diz servir, mas dos que trabalham dentro dela.
A mudança na maneira de encararmos uns aos outros, especialmente
o “outro”, o colega que foi readaptado por força de assédio moral sofrido por
outro colega de trabalho ou por alunos com quem trabalha, de seres pertencentes
a uma mesma categoria profissional, “PROFESSOR” deve ir ao entendimento de que um
precisa do outro; de que as diferenças estabelecidas por fatores acidentais ou
não, além da própria diferença em si do ser humano são parte da diversidade humana.
Nesse ponto, o filme citado é bem esclarecedor, ao alertar para a aproximação e
para o esforço necessário de conhecer, compreender e de tolerar o “outro” em
sua singularidade. Só assim o medo em toda sua manifestação dentro e fora das
escolas públicas se desgruda de nós e uma nova convivência é possível. Oxalá!
* DesProf.Peixoto é historiador e também um readaptado
dentro das escolas públicas que é forçado a perambular.
©Blog do DesProf.Peixoto
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