Liberalismo, cotas e Demétrio Magnoli
Um comentário introdutório ao texto
do Prof. Paulo Ghiraldelli:
Estudei e trabalho desde 1990 em Escola Pública.
Quando estudei, até onde me lembro, a Escola Pública tinha uma característica
hoje considerada autoritária. Eram tempos pré-ECA [Estatuto da Criança e
Adolescente], então, não havia a liberdade que criança e adolescente hoje gozam
no interior da escola. Liberdade inclusive para não estudar. O contexto em que
estudei, de forma estranha, induzia eu e muitos a estudarem mais e tirarem
melhor proveito do serviço educacional oferecido pela Escola Pública da
ocasião. A pedagogia era considerada tradicional; as aulas, todas elas,
expositivas. O tempo não era gasto com as firulas e frescuras que existem hoje:
festinhas, bingos, feira de cultura inútil para repor aulas perdidas durante a
última greve; jogos escolares para promoção política de certos professores,
projetos e mais projetos contra o “bullingui”, em favor da ecologia projeto de
pontos na média em troca de reais para compra de ar condicionado para as salas
de aulas; projeto “mais” escola; ensino médio “inovador” e etc. Havia mais
tempo de aula, na sala de aula! O calendário escolar era mais enxuto e voltado
para o que acontecia no interior das salas de aulas. Talvez eu esteja
equivocado, mas, conheço inúmeras pessoas que se deram bem nessa e dessa forma.
Em relação ao público-alvo, convivi com todo tipo de gente: pretos, bichas,
crentes, católicos, petistas e etc. A Escola Pública em que estudei e que hoje
eu trabalho manteve e mantém o mesmo público. Então, qual a razão de se ter uma
política de cotas para Escola Pública básica? Quanto à qualidade, as políticas
públicas desde o fim da ditadura militar até agora se encarregaram de relativizá-la.
Liberalismo, cotas e Demétrio Magnoli
22/11/2012
O LIBERAL tradicional não disse que deveríamos todos ser tratados
iguais. Ele disse que todos os cidadãos livres deveriam ter direitos iguais. A
igualdade do liberalismo tradicional, inclusive o de Locke, permitia a
escravidão. Locke participou da confecção de Constituições de estados
americanos e manteve a escravidão como peça legal.
Desse modo, depois, no sentido de sair do campo escravagista, os
próprios liberais foram tendo de reconduzir a doutrina a novos patamares.
Assim, não foi preciso nem mesmo que se saísse do liberalismo para admitir que
havia algo de errado na sua formulação inicial. Também não foi preciso sair do
liberalismo para se perceber que a justiça comum dependia da justiça social e,
portanto, para que a justiça comum pudesse continuar cega a justiça social
deveria ter olhos bem abertos. Ela abriu os olhos ao criar a chamada política
de “igualdade de oportunidades”.
Essa igualdade de oportunidades veio de duas formas: na Europa, via
influência da social democracia, na América, via uma segunda fase do
liberalismo renovado. A primeira fase desse liberalismo renovado foi
responsável pelo New Deal, a segunda fase foi a do Movimento dos Direitos
Civis. A tradição da Europa foi dar oportunidades iguais para os pobres, e a
escola pública, gratuita e laica surgiu por aí. Na América, só a escola pública
não resolveu o problema, e acrescentou-se então o sistema de política
afirmativa (um certo tipo de cota).O Brasil fez a lição de casa, e tentou
imitar o que se fez na Europa e América. Criou uma escola pública gratuita e a
expandiu, e então pensou em criar o sistema de cotas, mas, nesse meio tempo –
entre a intenção e a força política para tal – perdeu a qualidade de sua escola
pública básica a ponto de criar a possibilidade de se pensar o seguinte: seria
melhor expandir uma escola básica para todos, de boa qualidade, e não fazer o
sistema de cotas. Mas esse argumento é falacioso. Pois, afinal, uma coisa não
impede a outra. Podemos dar o passo americano, que visa a igualdade de
oportunidades afeita às etnias, e podemos retomar o apreço pela escola pública,
refazendo o caminho iniciado nos anos quarenta e cinqüenta. Por que não?
Querer colocar a necessidade de uma “revolução na educação básica” como
o que se deveria fazer no lugar de se instituir as cotas é criar um jogo sujo
de confusão. É fingir desconhecer a regra de que o ótimo é inimigo do bom. Pede-se o ótimo não para realizá-lo, mas para
impedir o bom. As cotas dão um tipo de aporte para a
justiça, e podem vir agora, como estão vindos. A revolução na escola básica é
outra coisa, e depende de mais elementos que, no momento, o movimento social
não consegue fazer valer. Quem coloca o regime de cotas como o que se estaria
fazendo porque não se fez a tal “revolução na educação básica” está querendo é
barrar a política de ação afirmativa e, penso eu, está fazendo isso por causa
de um preconceito racial que quer escamotear. Essa é a atividade do professor
Demétrio Magnoli. Não à toa ele vem ocupando espaço na mídia conservadora. Ele
não está sozinho, faz parte de um grupo, e esse grupo quer antes confundir que
esclarecer a opinião pública.
Paulo Ghiraldelli
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2012/11/22/liberalismo-cotas-e-demetrio-magnoli/
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