Boff: Como se formou o poder monárquico-absolutista dos papas
Terça-feira, 12 de fevereiro de
2013 - 18h21min
por CESEEP
Escrevíamos
anteriormente neste espaço que a crise da Igreja-instituicão-hierarquia se
radica na absoluta concentração de poder na pessoa do Papa, poder exercido de
forma absolutista e distanciado de qualquer participação dos cristãos, criando
obstáculos praticamente intransponíveis para o diálogo ecumênico com as outras
Igrejas.
Não
foi assim no começo. A Igreja era uma comunidade fraternal. Não havia ainda a
figura do Papa. Quem comandava na Igreja era o Imperador pois ele era o Sumo
Pontífice (Pontifex Maximus) e não o bispo de Roma ou de Constantinopla, as
duas capitais do Império. Assim o imperador Constantino convocou o primeiro
concílio ecumênico de Nicéia (325) para decidir a questão da divindade de
Cristo. Ainda no século VI o imperador Justiniano que refez a união das duas
partes do Império, a do Ocidente e a do Oriente, reclamou para si o primado de
direito e não o do bispo de Roma. No entanto, pelo fato de em Roma estarem as
sepulturas de Pedro e de Paulo, a Igreja romana gozava de especial prestígio,
bem como o seu bispo que diante dos outros tinha a "presidência no
amor" e o "exercia o serviço de Pedro" o de "confirmar na
fé" e não a supremacia de Pedro no mando.
Tudo
mudou com o Papa Leão I (440-461), grande jurista e homem de Estado. Ele copiou
a forma romana de poder que é o absolutismo e o autoritarismo do Imperador.
Começou a interpretar em termos estritamente jurídicos os três textos do Novo
Testamento atinentes a Pedro: Pedro como pedra sobre a qual se construiria a
Igreja (Mt 16,18), Pedro, o confirmador da fé (Lc 22,32) e Pedro como Pastor
que deve tomar conta das ovelhas (Jo 21,15). O sentido bíblico e jesuânico vai
numa linha totalmente contrária: do amor, do serviço e da renúncia a toda
supremacia. Mas predominou a leitura do direito romano absolutista.
Consequentemente Leão I assumiu o título de Sumo Pontífice e de Papa em sentido
próprio. Logo após, os demais Papas começaram a usar as insígnias e a
indumentária imperial (a púrpura), a mitra, o trono dourado, o báculo, as
estolas, o pálio, a cobertura de ombros (mozeta), a formação dos palácios com
sua corte e a introdução de hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje
nos cardeais e nos bispos, coisa que escandaliza não poucos cristãos que leem
nos Evangelhos que Jesus era um operário pobre e sem aparato. Então começou a
ficar claro que os hierarcas estão mais próximos do palácio de Herodes do que
da gruta de Belém.
Mas
há um fenômeno para nós de difícil compreensão: no afã de legitimar esta
transformação e de garantir o poder absoluto do Papa, forjou-se uma série de
documentos falsos. Primeiro, uma pretensa carta do Papa Clemente (+96),
sucessor de Pedro em Roma, dirigida a Tiago, irmão do Senhor, o grande pastor
de Jerusalém. Nela se dizia que Pedro, antes de morrer, determinara que ele,
Clemente, seria o único e legítimo sucessor. E evidentemente os demais que
viriam depois. Falsificação maior foi ainda a famosa Doação de Constantino, um
documento forjado na época de Leão I segundo o qual Constantino teria dado ao
Papa de Roma como doação todo Império Romano. Mais tarde, nas disputas com os
reis francos, se criou outra grande falsificação as Pseudodecretais de Isidoro
que reuniam falsos documentos e cartas como se viessem dos primeiros séculos
que reforçavam o primado jurídico do Papa de Roma. E tudo culminou com o Código
de Graciano no século XIII tido como base do direito canônico, mas que se
embasava em falsificações de leis e normas que reforçavam o poder central de
Roma, não obstante, cânones verdadeiros que circulavam pelas igrejas.
Logicamente,
tudo isso foi desmascarado mais tarde sem qualquer modificação no absolutismo
dos Papas. Mas é lamentável e um cristão adulto deve conhecer os ardis usados e
forjados para gestar um poder que está na contra-mão dos ideais de Jesus e que
obscurece o fascínio pela mensagem cristã, portadora de um novo tipo de
exercício do poder, serviçal e participativo.
Verificou-se posteriormente um crescendo no poder
dos Papas: Gregório VII (+1085) em seu Dictatus Papae ("a ditadura do
Papa") se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo; Inocêncio
III (+1216) se anunciou como vigário-representante de Cristo e por fim,
Inocêncio IV(+1254) se arvorou em representante de Deus. Como tal, sob Pio IX
em 1870, o Papa foi proclamado infalível em campo de doutrina e moral.
Curiosamente, todos estes excessos nunca foram retratados e corrigidos pela
Igreja hierárquica. Eles continuam valendo para escândalo dos que ainda creem
no Nazareno pobre, humilde artesão e camponês mediterrâneo, perseguido, executado
na cruz e ressuscitado para se insurgir contra toda busca de poder e mais poder
mesmo dentro da Igreja. Essa compreensão comete um esquecimento imperdoável: os
verdadeiros vigários-representantes de Cristo, segundo o Evangelho (Mt 25,45)
são os pobres, os sedentos e os famintos.
Fonte: http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=20¬iciaId=3728
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