Manifestações tem algo haver com a"revolução do Indivíduo" do Paulo Ghiraldelli Jr?
BERNARDO MELLO FRANCO
DE LONDRES
Desde que a Primavera Árabe estourou, em 2011, o
sociólogo e jornalista italiano Paolo Gerbaudo viaja o mundo para estudar
protestos que tomaram as ruas de grandes cidades da África, da Europa e dos
Estados Unidos. Professor da universidade britânica King's College, ele se
tornou um dos principais pesquisadores da onda de manifestações organizadas nas
redes sociais, que chegou ao Brasil com força em junho. No livro "Tweets
and the streets" (Pluto, 2012; sem tradução em português), Gerbaudo aponta
semelhanças entre movimentos de diferentes países como o Occupy Wall Street,
nos EUA, e os indignados, na Espanha. Convidado a falar sobre o caso brasileiro,
Gerbaudo diz que os manifestantes cobram um novo tipo de democracia, com mais
transparência e participação popular, e que os partidos que não souberem se
renovar podem caminhar para a extinção. Ele critica a resposta da presidente
Dilma Rousseff às bandeiras do movimento e prevê que os protestos, que
esfriaram nos últimos dias, voltarão em "novas ondas e novas formas".
Leia a seguir alguns trechos da entrevista:
FOLHA - O SR. ESTUDOU MANIFESTAÇÕES IMPULSIONADAS PELAS REDES SOCIAIS EM
PAÍSES COMO EGITO, ESPANHA E TURQUIA. O QUE ELAS TÊM EM COMUM COM OS PROTESTOS
NO BRASIL?
— Paolo Gerbaudo- Da Primavera Árabe ao Occupy Wall Street, os ativistas se definem como
integrantes de movimentos de praças. Eles vêem praças e ruas como pontos de
encontro da sociedade para protestar contra as instituições. O caso brasileiro
é mais complexo, porque envolveu várias cidades, mas também houve a ocupação de
lugares que simbolizam a nação, como o Congresso. A noção de povo é a chave para entender esses novos movimentos. A
alegação básica deles é que representam todo o povo, e não apenas uma classe,
na luta contra um Estado visto como corrupto. Isso os diferencia dos movimentos
antiglobalização, que reuniam minorias e tinham um espírito global. Esses novos
movimentos são nacionais, dirigem suas reivindicações a cada país. Isso fica
claro numa frase que foi muito usada nos cartazes brasileiros: "Desculpe o
transtorno, estamos construindo um novo país."
REDES SOCIAIS COMO O FACEBOOK TÊM PAPEL IMPORTANTE NESSAS MOBILIZAÇÕES.
O QUE ELAS MUDAM NO JOGO POLÍTICO?
— A ascensão das redes sociais permite que a
sociedade se organize de forma mais
difusa, especialmente as classes
médias emergentes e a juventude das cidades. Isso desorientou os políticos
e os velhos partidos, que estavam acostumados
a buscar consensos através dos meios de comunicação de massa. Os partidos
têm pouco a fazer diante das novas formas de comunicação mediadas pelas redes
sociais. A não ser que mudem
completamente as suas práticas, baseadas no velho sistema de quadros e
caciques locais, e se abram para novas formas de participação popular.
NO BRASIL, MILITANTES COM BANDEIRAS DE PARTIDOS FORAM EXPULSOS DE VÁRIOS
PROTESTOS.
— Isso é muito comum nesses movimentos, porque os
manifestantes querem ser vistos como uma onda única. No Egito, os militantes de
partidos também foram impedidos de mostrar suas bandeiras na praça. Só
permitiam o uso da bandeira nacional. Como eles dizem representar toda a nação,
são contra todos os elementos que podem dividir as pessoas na luta contra um
inimigo comum, representado pelo aparato repressivo do Estado. Em geral, eles
dizem que não há idéia de esquerda ou de direita, o que existe são idéias boas
e idéias ruins. Sonham com uma política
sem partidos políticos.
QUAL É O SIGNIFICADO DISSO?
— É um discurso
populista. Isso emerge em alguns momentos na história que Antonio Gramsci
[1891-1937] chamava de "interregnum".
É quando um sistema de poder está em colapso, mas seu sucessor ainda não se
formou. Nesses momentos, aparecem o que Gramsci chamava de sintomas mórbidos. Fenômenos estranhos, criaturas monstruosas e
difíceis de serem decifradas. Hoje, as criaturas estranhas são esses movimentos
populares. Para eles, a classe política rompeu o contrato social que sustenta o
sistema representativo. O acordo era: Vocês, o povo, nos concedem o poder. Em
troca, nós atendemos às suas demandas'. Agora, as pessoas percebem que a classe política só está atendendo à sua
própria agenda. Há um problema fundamental na democracia representativa
como ela existe hoje. Ou os partidos encontram um caminho para reconquistar
legitimidade, ou vão ser superados por novos partidos sintonizados com as
demandas da sociedade pós-industrial de hoje. A crítica à partidocracia é
legítima. Por outro lado, às vezes parece haver nos movimentos uma crença quase
religiosa de que é preciso eliminar todas as mediações.
EM QUE SENTIDO?
— Eles parecem ter a ilusão de que a solução é eliminar os partidos, os sindicatos. Essa idéia
em si é muito problemática e ingênua. É uma idéia religiosa, absolutista,
que compete com a democracia. A política é uma obra coletiva, não um agregado
de indivíduos. São blocos diferentes que interagem. Para isso, você precisa dos
partidos. Eles sempre existiram e sempre
vão existir.
ESTE SENTIMENTO CONTRA OS PARTIDOS PODE AMEAÇAR A DEMOCRACIA COMO A
CONHECEMOS?
— Existe um risco. Os
momentos de "interregnum"
oferecem bifurcações. Estamos num momento de crise sistêmica mundial. O Brasil
está melhor que outros países, mas também está desacelerando. Nesses momentos,
podem emergir forças progressistas ou reacionárias. É preciso ver se a esquerda
vai saber interpretar o espírito do tempo ou se vai adotar uma postura
defensiva. Há uma demanda correta por renovação moral, mas setores mais
reacionários podem explorá-la para fins antidemocráticos. A ideia de que a
política tem que buscar "o bem" é ingênua, representa uma visão em
preto e branco. Maquiavel dizia que o caminho para o inferno é pavimentado de
boas intenções.
COMO OS PROTESTOS AFETAM A ESQUERDA BRASILEIRA, QUE ESTÁ HÁ 10 ANOS NO
PODER COM O PT?
— Em tese, o que está sendo cobrado no Brasil
não precisaria estar sendo cobrado de um governo do PT. As pessoas estão
pedindo escolas, hospitais. Para um governo de esquerda, é constrangedor estar
sendo pressionado com pedidos de coisas que ele já devia estar fazendo. O
aumento da tarifa dos ônibus não foi tão grande, mas se tornou um símbolo de
outros problemas. Foi a gota que fez o copo transbordar. Há outro problema. Os
governos do PT proporcionaram muitos avanços na área social, mas os casos de
corrupção, clientelismo e compra de votos minaram a legitimidade moral do
partido. Também há um problema de representação. O PT foi criado para
representar os metalúrgicos das fábricas. Nós agora vivemos numa sociedade
pós-industrial. Há uma nova classe média cheia de designers e trabalhadores
criativos, por exemplo, e eles não têm uma rede de proteção que os atenda. Há
uma mudança histórica, mas os partidos e sindicatos tradicionais [O SINTERO e a
APEOESP, por exemplo...] não têm demonstrado capacidade para entendê-la.
NA TENTATIVA DE RESPONDER AOS PROTESTOS, A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF JÁ
PROPÔS UMA CONSTITUINTE EXCLUSIVA E UM PLEBISCITO PARA FAZER A CHAMADA REFORMA
POLÍTICA. ISSO É SUFICIENTE?
— Eu duvido que as
promessas de Dilma sejam suficientes para acalmar a ira popular. Ela pode
atender a pedidos específicos, mas a essência das manifestações vai além de
demandas concretas. A luta principal é por uma nova forma de democracia, na
qual os partidos não poderão mais lidar com os cidadãos apenas de quatro em
quatro anos. A solução para isso seria uma mudança constitucional ampla, bem
além da que Dilma propõe. É preciso abrir espaço a novas formas de controle
popular sobre os políticos, mais transparência contra a corrupção, novos
instrumentos de democracia direta e consulta popular.
AS MANIFESTAÇÕES NO BRASIL ESFRIARAM NOS ÚLTIMOS DIAS. COM BASE NO QUE
ACONTECEU EM OUTROS PAÍSES, ELAS ESTÃO FADADAS A DESAPARECER?
— Devido à ausência de uma
estrutura formal, esses novos movimentos populares tendem a sumir com a mesma
velocidade com que aparecem. É impossível manter uma mobilização de massa a
longo prazo, como se viu nos indignados da Espanha ou no Occupy Wall Street. Mas,
assim como aconteceu lá, é de se apostar que o outono brasileiro' vai ressurgir
em novas ondas e novas formas. Estamos vivendo tempos revolucionários, em que
as pessoas voltaram a sentir que podem mudar o mundo. Veja o que está
acontecendo agora no Egito.
#Postado pelo DesProf.Peixoto
Meu comentário...
— Desde 1990 quando
cheguei neste fim de mundo que dão o nome de “Rondônia” venho, gradativamente,
me dando conta que o SINTERO só representa os “espertos” do grupo que o dirige,
tornou-se um sindicato TRADICIONAL e que o PT aberto a participação de fato dos
seus militantes e diferente, eticamente, dos demais partidos que eu gostava
morreu! Oxalá que na onda dessas manifestações, nesse que Antonio Gramsci
[1891-1937] chamava de "interregnum", surjam novos e melhores
mediadores entre o povo e o poder instituído. Pois ao contrário do Paulo
Ghiraldelli, eu não acredito em revolução do “indivíduo”.
Comentários