Não seja professor !
Não seja professor
Vladimir Safatle1
“Pode me chamar de doida, de palhaça, do que vc quiser, só
não me chame de covarde pq isso eu não sou!” Sílvia Cardoso, professora em
Pernambuco.
|
Quem escreve este artigo é alguém que é professor
universitário há quase 20 anos e que gostaria de estar neste momento escrevendo
o contrário do que se vê obrigado agora a dizer. Pois, diante das
circunstâncias, gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a
meus alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse
equívoco. Esta "pátria educadora" não merece ter professores.
Um professor, principalmente aquele que se dedicou ao ensino
fundamental e médio, será cotidianamente desprezado. Seu salário será, em
média, 51% do salário médio daqueles que terão a mesma formação. Em um estudo
publicado há meses pela OCDE, o salário do professor brasileiro aparece em
penúltimo lugar em uma lista de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do
México, entre tantos outros.
Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação,
que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas salas
de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e Portugal, 8. Sua
escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso de 72% das escolas
públicas brasileiras.
Se você tiver a péssima ideia de se manifestar contra o
descalabro e a precarização, caso você more no Paraná, o governo o tratará à
base de bomba de gás lacrimogêneo, cachorro e bala de borracha. Em outros
Estados, a pura e simples indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia
Internacional irá emitir notas condenando, mas as principais revistas
semanárias do país não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação.
Para elas e para a "opinião pública" que elas parecem representar,
você não existe.
Mais importante para eles não é sua situação, base para os
resultados medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o
governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do Senado a
fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas.
No entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter
levado uma bala de borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de
ligar a televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país
"ter pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação
será sempre a prioridade das prioridades.
Diante de tamanho cinismo, você não terá nada a fazer a não
ser alimentar uma incompreensão profunda por ter sido professor, em vez de ter
aberto um restaurante. Por isso o melhor a fazer é recusar-se a ser professor
de ensino médio e fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não
poderá mais mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa
de nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a farsa.
1* Safatle,
professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP), começa o texto com
um alerta: “gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus
alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco.
Esta ‘pátria educadora’ não merece ter professores”.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2015/05/1624715-nao-seja-professor.shtml
Comentários