REFLEXÕES SOBRE A MORTE DE UM TIRANO
Por Celso Lungaretti
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Nas pegadas de Stálin: assim se cultuava a personalidade do ditador que já foi tarde. |
Pelos motivos que vou expor adiante, nunca me interessou particularmente o que acontecia na Coréia do Norte. A idade me ensinou a manter distância daquilo que só me deprimirá.
Mas, para os interessados, recomendo a ótima análise de Elio Gaspari em sua coluna Já foi tarde (acesse íntegra aqui) da qual destaco estes parágrafos estarrecedores:
"Em 1945, a península coreana foi dividida entre duas ditaduras. A do Norte, comunista e rica. A do Sul, capitalista e pobre. Nos anos 60, quando se falava em milagre coreano, o tema era a supremacia socialista. Em 1970, todos os vilarejos do país tinham eletricidade.
Passou-se uma geração, o Sul tem uma democracia e o Norte tem uma tirania enlouquecida, que mais se parece com a Spectre do romance de Ian Fleming do que com um Estado. Em apenas quatro anos, entre 1991 e 1995, a renda per capita da população caiu de US$ 2.460 para US$ 719. O regime vive do socorro cúmplice da China.
Falta eletricidade, mas as 34 mil estátuas do Pai da Pátria Socialista são iluminadas mesmo de dia.
A professora Mi-Ran conta que via alunos de cinco ou seis anos morrerem de fome nas salas de aula. Sua turma de jardim de infância de 50 alunos caiu para 15.
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De Hitler a Kim Jong-il, os grandes ditadores sempre tiveram paradas militares como fetiche |
Nas casas desse paraíso, uma parede da sala deve ser reservada para o retrato do Líder, que é distribuído com um pano. Fiscais zelam para que nenhuma família deixe de limpá-lo.
A fome dos anos 90 matou entre 600 mil e 2 milhões de coreanos do norte. Em algumas cidades morreram dois em cada dez habitantes. Um médico conta que ensinou mães a ferver demoradamente a sopa de capim. A certa altura, as famílias preferiam que as crianças morressem de fome em casa, porque nos hospitais, onde não havia remédio, faltava também comida".
O PODER MANTIDO A FERRO E FOGO,
SOBRE MONTANHAS DE CADÁVERES
Um conceito do marxismo clássico que até hoje considero axiomático é do que o destino do mundo se decide nos países com economia avançada, não nos periféricos.
Era nesses que Marx queria iniciar a construção do socialismo, convicto de que arrastariam os demais na sua esteira.
Mas, quando foi o reformismo e não a revolução que neles prevaleceu após a revolução soviética de 1917, os apressadinhos correram a trocar o foco, passando a tentar mudar o mundo a partir das nações menos pujantes --o que só gerou decepções e fez brotarem tiranias como cogumelos.
Mas, quando foi o reformismo e não a revolução que neles prevaleceu após a revolução soviética de 1917, os apressadinhos correram a trocar o foco, passando a tentar mudar o mundo a partir das nações menos pujantes --o que só gerou decepções e fez brotarem tiranias como cogumelos.
As potências centrais acabam sempre por anular tais arroubos, seja forçando trocas de regime, seja asfixiando tais nações mediante embargos econômicos como o imposto a Cuba.
Muitos, por estarem sendo forçados a socializar a penúria e não a abundância, acabaram descambando para os piores despotismos, como o Camboja do Pol Pot. A palavra de ordem de tais nomenklaturas é a manutenção do poder a ferro e fogo, sobre montanhas de cadáveres.
Muitos, por estarem sendo forçados a socializar a penúria e não a abundância, acabaram descambando para os piores despotismos, como o Camboja do Pol Pot. A palavra de ordem de tais nomenklaturas é a manutenção do poder a ferro e fogo, sobre montanhas de cadáveres.
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Barricadas parisienses, 1968: os comunistas franceses preferiram salvar Charles De Gaulle. |
E os esquerdistas que, desde Stalin, traem a proposta libertária do marxismo e se põem a defender brutais tiranos, tornam execrável a imagem da revolução aos olhos dos explorados das nações prósperas, aqueles que precisaríamos reconquistar para voltarmos a oferecer uma perspectiva revolucionária global, como havia um século atrás.
A mesmerizante indústria cultural burguesa martela dia e noite na cabeça dos videotas que a alternativa ao capitalismo é miséria e chicote.
Os movimentos de contestação de 1968 e anos seguintes foram os últimos que abriram uma possibilidade real de revolução nos países prósperos. Nunca saberemos o que aconteceria se o Partido Comunista Francês tivesse se colocado no lado certo das barricadas, junto aos estudantes e operários jovens que se rebelaram, e não esfaqueando-os pelas costas.
Resta, para nós, a titânica tarefa de recolocarmos a revolução aos trilhos, reentronizando sua componente libertária, sem a qual ela jamais voltará a ser atrativa para os melhores seres humanos --mormente na era da internet!
É impensável, para cidadãos tão ciosos da sua liberdade pessoal como os de hoje, a perspectiva de desperdiçarem esforços na construção de regimes que lhes imporão camisas de força. Tanto quanto em 1968, temos, isto sim, de encarnar a esperança do paraíso agora!
E as terríveis frustrações com o stalinismo (degeneração burocrática da revolução que culminou na volta ao capitalismo e à democracia burguesa) e com o maoísmo (de cuja derrocada resultou o pior dos mundos possíveis, um capitalismo de estado altamente despótico) servem como sonoro alerta de que a nova revolução terá, obrigatoriamente, de ser global, tanto quanto o capitalismo hoje é global.
O chamado socialismo real implantado em países isolados, nem serviu como estopim para a revolução mundial, nem se manteve... socialista. Na verdade, tornou-se uma caricatura odiosa do socialismo, que melhor serviu à burguesia como espantalho do que para nós como cartão de visita.
É hora de reassumirmos a revolução mundial --e, eminentemente, libertária-- como meta suprema.
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