O EXCÊNTRICO AMIGO DEDA E SUAS AQUISIÇÕES EXISTENCIAIS


1. Deda velho amigo de minha infância. Terceiro de uma família de seis pessoas. Filho do Mangue que o Rio Capibaribe produz. Lá ele passou a sua infância. Filho de catadores de caranguejos que, logo cedo, aprendeu também esta função. Entravam no mangue na maré vazante quando os caranguejos mostravam o bundão passando de 4 a 6 horas com as pernas enfiadas, pegando os crustáceos, num imenso mar de lama, apenas com as mãos. Sempre num regime do cansaço e das marés que vai e se vão. Catavam caranguejos, para vender a bares e restaurantes do litoral e aos atravessadores de plantão, que comercializam o produto nos grandes centros desta nação. Deda sonhava sair da lama e tentar a sorte no mundão.



2. Assim era a vida de Deda muito antes de sair da lama. Ele evoluiu, saiu da lama para o barro. Passou a fazer tijolos numa olaria e depois virou motorista de trator. Pegou seu primeiro salário e, para mostrar que era o bonzão, apareceu na sua casa com roupa nova se amostrando de montão. Como ninguém prestava a atenção, ele falava: “ei gente, olha minha primeira grande aquisição!”. Ele apenas tinha comprado a prazo, uma calça e camisa social comprida para usar com uma batina, especialmente nas festas de São João. Assim foi que o Deda começou, fora do mangue, a se mostrar para todo mundo com o pouco que comprou. Ele não era só trabalhador, também era um namorador. Tudo mundo, mesmo sem querer, sabia disso. Deda junto com a Zilda e todas as outras que vieram depois, visitavam todos que pudessem e estava presente nos eventos da ocasião. Já entre os amigos sempre foi um invocado que adora se elogiar. Mais isso ainda era pouco para o Deda: ele queria a sua vida melhorar, então resolveu estudar. Conseguiu, fez o primário e o secundário na escola pública no centro da cidade de onde, inclusive, o Mangue ele podia olhar.


3. Morando numa cidade pequena, o vestibular ele não podia tentar. Para que? Se universidade ali não tinha para ele estudar. Para não correr o risco de não ter mais para os outros o que mostrar, Deda não pensou duas vezes, resolveu num seminário entrar. Deda ficou muito inteligente com o tanto de livro que ele, lá dentro, pode estudar. Eis a mais nobre de todas suas aquisições que hoje ele, esquisitamente, se recusa a mostrar. A cidade o incomodava: ela era pequenina demais para seu brilho revelar. Deda então, resolveu dela se mudar.


4. Deda foi para a cidade grande. Não quis nem saber da família e da amada que lá deixou. Ao chegar ao Recife se empolgou. Acreditava que teria muito mais para mostrar melhor. Assim Deda começou sua nova vida com seu mais arraigado e velho ideal. Conseguiu um trampo na Compesa, como medidor de registro d’água, não deu certo e saiu. Decidiu professor virar. Fez o magistério e depois para a faculdade conseguiu passar. Queria é ser professor para sua família e ele se orgulhar. Foi nesse ponto que Conheci o Deda. Na Faculdade do Recife, trajando roupa social combinada, estranhamente, com um par de botinas de couro amarelo. Aquilo me intrigava. Os seus calçados não combinavam com a roupa que ele adorava usar. Todas as vezes que eu o questionava ele, brabo respondia, perguntado se nu ele estava?


5. Deda se formou e formou família. Eu estava sempre por perto. Desde a faculdade percebia que Deda adora se gabar de tudo o que conseguia. De mulher até os livros que lia. Depois que casou, costumava me chamar para mostrar suas novas aquisições para sua cozinha. Mostrava com um ar de grande satisfação para as novas panelas que nela tinha. Daí Deda não parou mais. Ele deu vazão as suas manias de grandeza que ele trouxe do interior. Eu passei a ser seu alvo primordial. Nunca entendi isso. Todas as vezes que ele fazia uma aquisição nova, era a mim que primeiro ele sempre fazia questão de mostrar. Deda nunca foi daqueles amigos que fazem questão de ficar por perto do outros amigos. Apesar de amostrado, sempre foi invocado desde a época que viveu no Mangue. Amigo para Deda só serve para ele mostrar o que tem e o que sabe, ou para beber e só. Penso que a sociologia pode explicá-lo melhor; eu sou apenas um dos caras que ele adorava mostrar as coisas. Até hoje deda continua assim. No tempo que estive por perto, ele já mostrou de tudo o que podia. Certa vez, me surpreendi com um convite dele para conversar em sua casa. O tempo todo ele me perguntava se queria beber alguma coisa e eu recusava. Na verdade, ele estava super ansioso para me mostrar sua nova e enorme geladeira. Outra ocasião, depois de meses de sumiço dele. De repente, o cara aparece diante de mim para mostrar sua nova e grande moto. Roupas novas e sapato de marca ao invés da antiga botina, ele cansou de mostrar depois que trocou de mulher. Eu até me acostumei com esse seu jeitinho de ser, de se fazer existir. Deda jamais pode ser o DEDA sem isso, pois é tudo o que ele tem sido desde quando escapou do Mangue. Pena é que, depois que fui embora, não pude ver sua mais nova aquisição: uma enorme dentadura que usa com muita satisfação. Pô Deda, por que fui privado de ver esta sua mais nova aquisição?

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