DIÁRIO DO EXÍLIO ALHEIO: CONFISSÕES DE UM AMIGO PERTUBADO.

O amor é como chama de uma vela....

O com/texto do texto abaixo é a situação fragilizada de um casamento de mais de dez anos de existência entre um funcionário público e uma “Dona de Casa” sem emprego e quatro filhos para criar. Fragilizado justamente por questões financeiras. Falta de dinheiro mesmo e dívidas acumuladas e demoradas para serem quitadas e que por isso: o casal nunca consegue ter sua casa própria, mora muito mal de aluguel, nunca pode se vestir bem, se divertir o mínimo necessário, tratar dos próprios dentes e, que pior, têm sua vida desgraçada exposta para os parentes, neste caso, os da mulher. O casal se encontra morando bem próximo da casa da sogra do marido e que sogra em?! Ela, apesar de cristã e seguir caninamente orientações de figuras milagreiras como, por exemplo, o padre Reginaldo Manzotti, odeia com toda a sua força e fé o marido da própria filha. Ela o responsabiliza pela vida de miserável que sua filha e netos levam. Resumindo: ela o culpa simplesmente por ser um professor pago pelo Estado de Rondônia e não conseguir superar esta condição sozinho. Eis a carta do prof. Cristóvão ao seu amigo, bem sucedido na vida, Daniel. O que o leitor pode dizer depois de lê-la?
 

Nobre irmão e amigo, saudações!

Escrevo-te para informar que hoje de manhã: faltou muito pouco, um dedinho medinho para o meu casamento finalizar de vez. Estas são as palavras de alguém que já sente o sopro do vento que pode, dentro em pouco, apagar a vela. Declarações de quem sente o próprio casamento, o que me une a Suênia, se despedir. Mas que espera está muito enganado..Eis a minha versão do ocorrido esta manhã e de como enxergo as coisas:
 
1- Acordei tarde como faço todos os dias até porque durmo tarde também. Acredito que eram umas 10 horas aproximadamente. Acordei ouvindo Suênia falando com a mãe dela ao telefone. Ela havia mandado o Claudinho pegar a bomba de borrifar veneno em mato da mãe para borrifar no mato que já se aproxima muito do barraco de madeira onde vivemos precariamente no momento. A mãe dela, antes de atendê-la, telefonou para a mesma perguntando se seria eu a pessoa que iria fazer este serviço? Ela, num tom alto, incisivo e exclamativo respondeu: — “É claro que serei eu mãe!!!"
 
2- A forma em si, muito mais que o que o conteúdo do que foi dito por ela falou mais alto, fez a mãe dela, esta senhora entender [creio eu] que eu a estava colocando em grande perigo. Uma grávida não pode manusear o veneno que se utiliza para borrifar mato. Logo, para a mãe dela: O “homem da casa” estava se recusando a cumprir com suas obrigações! “Por preguiça”; “má-vontade”; sei lá!

3- Mau ela havia acabado de falar e eu me levantado da cama, abordei-a sobre isso que eu ouvi. Tentei fazê-la compreender que o jeito como ela se dirigiu a mãe dela, criava problema para mim: piorava minha imagem entre os da família dela e que isso não era bom para nós dois. Ela, em tom de contestação, disse que não estava mim “difamando” ou “se queixando” de mim perante a mãe dela. Apenas respondendo-a que [leia-se subliminarmente: ”na minha falta”], ela mesma faria o tal serviço! Argumentou dizendo: além do mais, não era necessário: todo mundo estava vendo o mato tomar conta do terreiro e o milharal que ela plantou e que ama tanto precisando ser roçado. Logo, conclui-se que: esse “todo mundo” estava vendo que o “homem da casa” é um irresponsável. Que deixa sua mulher grávida fazer o serviço que de fato, “pertence” a ele. Não importa se o mesmo seja apenas um professor, não um agricultor, um roceiro. Portanto, não era ela que me denunciava, mas EU MESMO perante a grande matriarca-sacerdotiza: a mãe dela e os vizinhos de redor! Se Eu fizesse o que deveria ser feito, não estaria sendo criticado e hostilizado por ninguém! Muito menos pela mãezinha dela.
 
4- Claudinho chegou com a referida bomba e chegou trazendo um recadinho “carinhoso” enviado pela sogrinha amada, aquela palavrinha que soou mais como uma como uma martelada em cima de mim, como se eu fosse uma bigorna grande e gorda: — “Paínho: vovó mandou te dizer que se acontecer alguma coisa com a maínha, você vai se vê com ela!”. Meu amigo, Suênia reagiu tranqüilamente, como quem concordava com o pito da veia; com o recado enviado por sua mãe, como se este fosse um recado enviado pelo próprio Deus diretamente. Como boa fiel do Padre Reginaldo Manzotti que ela escuta todas as manhãs no rádio quando tem a chance de acordar na casa dos seus pais: deu plena razão a atitude dela. Por quê? Por quê? e Por quê? Segundo seu raciocínio: porque a culpa é TODA MINHA! Se eu tivesse roçado tudo no tempo determinado, ela não teria preciso pedir bomba alguma para a mãe e, logo, esta não teria mandado o caridoso recadinho para mim. Pois sua mãezinha “não saberia de nada!” Do que estava se sucedendo, como se isso fosse possível, pois moramos quase colados um no outro. Mesmo não tendo gostado, reagi até com certa paciência dizendo: “Suênia, se eu fosse outro, com uma dessa, proibiria tua mãe de entrar até aqui e diria para ela não se meter naquilo que não lhes diz respeito”. Suênia me respondeu dizendo: “Ela é minha mãe, eu sou a filha dela, logo, ela tem o direito de meter o bedelho dela nos assuntos que dizem respeito a mim.” Faça isso para você ver o que vai acontecer...Faça!


 
5- Glup! Cabra: Estou, até agora, engolindo a seco, bem devagarzinho, com muita dificuldade o que ela disse. To entalado até agora: temo me engasgar! Por isso te escrevo, porque estou ruminando até agora este capim grosso e indigesto. Putz! Que momento mais vulnerável está sendo este para o nosso casamento: momento tenso. Aquele instante determinante, delicado: aquele sopro forte emitido que faz a chama de uma vela se apagar. Como diz o Rubem Alves: “Casamento é um bibelô delicado”. Palavras como a da mãe dela e dela mesma, como as minhas podem operar como uma martelada sobre uma bigorna, ferro contra ferro. Pensei noutra citação feita pelo Rubem d’um poeta, creio que, do Vinicius de Morais: “Que não seja imortal, posto que é chama ...”. Amor é chama tênue, fogo de palha, não é imortal. Ao me lembrar disso tudo, me contive como nunca me contive antes meu irmão. Simplesmente, após ter reiterado que gosto dela, eu disse que continuarei fazendo um esforço hercúleo para me adaptar a vida rural, já que sou forjado numa urbe como Belo Horizonte. Eu cheguei a um ponto em que disse para ela: “tudo bem, eu me rendo!” Eu desisto de vez de voltarmos a viver na capital. Mas, pelo o menos, que morássemos numa outra cidade do interior, desde que fosse longe da cidade em que estamos agora. E por fim, para acabar a nossa conversa repeti mais de uma vez, resumidamente, o que o diabo, o acusador, travestido de amigo meu chamado Daniel, neste domingo último de minha visita a ele de madrugada me disse: EU SOU CULPADO!
 
6-Parei de argumentar, de racionalizar. “A arte de amar é a arte de não deixar que a chama se apague. Não se deve deixar a luz dormir. É preciso apressar em acordá-la”: diz Barchelard. Então, meu irmão, lembrando novamente, o Rubem Alves, na sua crônica sobre “As mil e uma noite”, vou bancar a Xerazard. Vou me silenciar. Vou fazer de tudo para OUVIR a Suênia. Embora que, ultimamente, suas palavras e as da mãe dela sejam um ESTUPRO aos meus ouvidos. Segundo o mesmo autor supracitado: “o ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que se permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma.” Então, esta está sendo a minha tática, a minha postura: feminizar meus ouvidos diante delas. Não sei se terei “culhões” para tamanho desafio, se suportarei, mas estou tentando.
 
7- Sabe o que fiz depois? Tomei meu café da manhã rapidinho e fui para roça. Peguei a enxada e o ciscador e limpei um pedaço dela calado e disse a ela que veria o que eu poderia fazer para pagar uma pessoa para passar o veneno onde ela quer que seja passado. Não sei como, mas que faria o possível, isto eu vou fazer. Lasquei-me todo, mas limpei um pedaço hoje. Amanhã vou fazer mais um pouco até acabar tudinho. Não vou incomodá-la mais. Quando chegar do trabalho, tomarei meu banho e vou direto dormir. Afinal, logo de manhã tenho mais roça para limpar. Embora eu não pense como aquele galo que acreditava que o sol só se levantava após seu cantarolar: sei que isso pode não mudar mais nada. O estrago já feito pode ser irremediável, mas, pelo o menos, espero sair dessa, se assim for o meu destino, com a consciência tranqüila de que fiz o meu melhor.
 
8- Um grande e fraternal abraço, meu irmão e amigo. Todo dia dou muita "graça" a Deus: espero que o mesmo se canse disso! Torça por mim!
 
9- Cristóvão.

10- Inverno chuvoso de final de ano em Chupinguaia/RO.



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