RIO MADEIRA: BANZEIRO, FASCINAÇÃO E PAVOR


1. Em Porto Velho, estava digitando sossegado o meu projeto para o mestrado sem dar a mínima para o que acontecia ao meu lado. Edson, o Barbeiro, de repente e bruscamente seu carro velho estacionou. Nem viu que a rampa de acesso a garagem ele atropelou. Causando certo barulho que minha atenção, logo chamou.

2- Edson, Barbeiro, amigo velho de guerra que muito cabelo já cortou. Filho de Vandellia cirrhosa, a Candiru com o seu Trichechus inunguis ou Peixe-Boi da Amazônia, sôa melhor. Chegou com uma vontade imensa de ver, conhecer de perto o negócio do Negão, o meu irmão. Um lote de terra pequena que o mesmo colocou a venda para aumentar o seu quinhão. Que fica numa área pós- suburbana, longe da agitação. A te lá nós fomos então para mostrar o negócio do meu irmão. Animado ele muito ficou com o tamanho do negoção a ponto de dizer bem alto: como é grande ó Negão!

3- Para a Estrada do Belmont, Km 11 e o Rio Madeira ele rumou. Queria mostrar-me seus amigos ribeirinhos e a beleza desse grande rio de um jeito que jamais alguém me mostrou. Por ela, sem medo, o barbeiro maluco com cara de índio, correndo que nem um doido atravessou. Estrada de barro que nem essa, cheia de buracos e quebra molas: ele enfrentou. Pista estreitada pelo mato ele cortou. Já estava ficando preocupado com a lonjura em que a casa do meu irmão ficou. O rio Madeira sempre, sempre ao nosso lado nos acompanhou.

4- Nós vimos mercadorias sendo de caminhões e de balsas sendo trazidas. O progresso pelo Belmont e as águas do Madeira dizem passar. Vi um teiú na beira do caminho como se dele estivesse fugindo, correndo para o mato, quem sabe, se livrar. Vi também muitas casas de ribeirinhos. Vi-os jogando bola, conversa fora e outros de voadeira pelo rio madeira atravessando-o prá lá e prá cá. A tradição e o progresso convivendo bem de perto, aparentemente, sem com eles se incomodar.

5- Chegando lá muitas imagens daquele imenso rio eu quis registrar. Depois sua atravessia eu arrisquei experimentar. Mas ao ver a qualidade da canoa, o medo começou a me dominar. Não sei bem explicar o porquê da minha loucura em ver como seria o rio madeira atravessar. Enrijecido pelo medo, enfrentei um danado de um banzeiro, só pensando como dele iria me livrar. Vi à hora de aquela canoa virar. Pavor, fascinação pelo Rio Madeira em mim começaram a se misturar. “Hamm... Hamm... ham... era o gemido da caboca no banzeiro E o “caboco” que vos fala aqui em nada banzeirando Ao invés de ir fazendo chap-chap fazia ui, ui e ui de tanto medo do banzeiro me matar. E o corpo fica molhado no tenebroso galopar. Imensa era a minha vontade de no outro lado o mais rápido chegar. Putz! Meus nervos, nessa altura, já não tinham mais por onde estourar.

6- Mal tinha desembarcado e já queria retornar. Não perdi tempo, rapidinho, peguei uma canoa melhor para lá poder chegar. “Chap, chap, chap e chap. Chap, chap, chap, devagar. Chap, chap, chap bem ligeiro é o som do tenebroso banzeiro na canoa balançar.” Mesmo com tanto medo, enfim, consegui voltar. Os demais vieram depois com as pupunhas que para lá foram pegar.

7- O gaiato do barbeiro, com aquela cara de índio que ele tem, da minha cara não parava de gozar. Ria como nunca riu antes em sua vida de ver um professor com tanto medo do rio Madeira se borrar. Mesmo achando-o muito bonito, nunca se imaginou por essa tremenda experiência passar. Medo da grandeza fascinante de um rio que os ribeirinhos, facilmente estão acostumados a lidar.

8- Essa foi uma experiência de vida que jamais será por me esquecida até, quem sabe, por outra passar. O barbeiro com cara de índio ficou a mim sempre me perguntando: se eu dali havia gostado? Inesquecível foi e será a única resposta que eu posso dar para um pavor sentido que o banzeiro do rio madeira me fez passar.

9- Lembrei-me de outro índio nesse momento e me perguntei correndo: como seria se ele ali tivesse ido junto comigo naquele barco fulêro, pelo rio atravessar? Certamente ele diria: deixa de ser frouxo ó nordestino! Pois qualquer “caboco” daqui ou de Quadajás, com esse ou outro rio, sabe bem lidar! Como então, posso eu esquecer, desse rio Madeira, misto de pavor e respeito que essa experiência me fez por demais pensar?



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