CONSTRUÇÃO, DESCONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE HERÓIS MISSIONÁRIOS: Um estudo de caso sobre Daniel Berg e Gunnar Vingren, missionários fundadores da Assembléia de Deus no Brasil








Resumo: A historiografia missionária é uma construção ideológica visando o benefício, quase exclusivo, da instituição que a detém. Como elemento fundamental dessa instrumentalização a vida dos(as) missionários(as) deve ser heróica e intocável, transformando-os(as) em modelos inacessíveis e inimitáveis, mesmo sendo eles(as)  pessoas comuns, com erros e acertos. Seus (de)feitos estão  muito mais relacionados  com as demandas de suas épocas: os  acertos são superdimensionados em benefício da instituição, enquanto os  presumíveis erros, se não podem ser apagados, devem constar em suas cotas pessoais. Esta tensão público-privado invariavelmente  dificulta a análise da realidade.

Introdução

            A vida missionária é cheia de glórias ou apenas sofrimento? Na verdade, as duas coisas concomitantemente. Alguns, em vida, conhecem alguma glória. Outros, algum sofrimento. Existem alguns que experimentam muita glória e muito sofrimento. Um outro grupo, recebe glória apenas no céu.  No entanto, um chavão se solidificou em nossa teologia: vida de missionário(a) significa vida de sofrimento.  Se o sofrimento natural não for suficiente, alguém se esmera, macabramente, de “providenciá-lo”. Todo missionário, seja homem ou mulher, está fadado ao heroísmo. Este “heroísmo” só tem uma forma de legalização: o martírio. Nossa historiografia - seja fictícia ou verídica, mas certamente sempre de construção ideológica - prima por isso. Toda história missionária precisa ter muita privação, doenças, e, preferencialmente, terminar com uma morte sacrificial. Somente assim entendemos um ministério “aprovado”. Não pretendo discutir aqui a teologia do sofrimento, ou, sua pretensa antítese: a teologia da prosperidade. O objetivo é problematizar historiograficamente estes dois pólos, pois muito do que é registrado como sofrimento para o(a) missionário(a) (a pessoa mais interessada no caso, que invariavelmente não é ouvida) pode ter outra conotação; idem,  para a glória. Além disso, ambas são construções ideológicas das instituições para autolegalização e instrumentalização dos projetos para benefício institucional (Maduro,1981). Enfim, apresentar uma justificativa para seus atos, sejam vícios ou virtudes.  Neste estudo de caso, o foco é a história de dois missionários suecos: Daniel Berg e Gunnar Vingren, os fundadores da Assembléia de Deus no Brasil.

I – Construção dos heróis fundadores:

            A história é épica: dois jovens imigrantes suecos pobres, um com 26 anos e outro com 31, se encontram em Chicago, conhecem o movimento pentecostal, compartilham suas visões missionárias. Depois, recebem uma profecia sobre o Pará, ganham uma oferta que é exatamente o preço da passagem e viajam na terceira classe durante 18 dias. Eles não foram enviados por nenhuma missão ou igreja, não têm seguro de vida, não sabem  nada sobre o país para onde vão e tampouco  conhecem o idioma nativo. Em 10 de novembro de 1910 chegam a Belém e vão morar no porão de uma igreja Batista. Um vai trabalhar como operário o outro vai estudar o idioma. Iniciam reuniões de oração e, ao acontecerem manifestações pentecostais, são expulsos da moradia e da igreja. Com um grupo de 18 pessoas iniciam a Missão da Fé Apostólica. Noventa anos depois, a Assembléia de Deus (AD), é a maior igreja pentecostal do país e uma das maiores do mundo, com aproximadamente nove milhões de membros . A trama seria um extraordinário roteiro de cinema, com muito “sangue, suor e lágrimas”. O problema da construção ideológica da história oficial é que o passado é feito (apenas) de sofrimento e o presente (apenas) de glória. Mera coincidência: os missionários em vida têm apenas o sofrimento e a instituição, toda a glória!



            A história destes dois missionários é heróica e não há nenhum mérito em reconhecê-la. No entanto, eles só assumem esta posição a partir da década de sessenta, quando a igreja vai celebrar o seu cinqüentenário . Neste caso, é a instituição que precisa dos “heróis” para se legalizar. Ou, como diz Campos (1999:88), para “manutenção dos esquemas de poder”. A Igreja Luterana tem a figura de Lutero, a Presbiteriana tem Calvino, a Metodista tem Wesley; enfim, cada instituição precisa produzir seus heróis fundadores. E quanto mais perto do ideal, melhor .

Daniel Berg, em 1961, em solenidade no Maracanã recebeu uma placa folheada a ouro, mas nos anos anteriores era uma figura apagada, esquecida e, segundo relatos de contemporâneos, vivia em grande pobreza, abandonado na periferia de São Paulo . Seu heroísmo, decantado na história oficial da Igreja, é ter vindo para o Brasil em 1910, seguindo uma visão de Deus, com o objetivo de construir o movimento pentecostal. Porém, ninguém louva seu heróico sofrimento de ter sido esquecido desde 1913, quando aconteceu a primeira consagração de cinco pastores no Brasil (Conde, 1960:32). Entre 1910 e 1930, chegam ao Brasil mais de trinta suecos   (Alencar, 2000)   que foram assumindo igrejas e postos na hierarquia. Para Berg resta apenas receber uma placa em 1961. Reverenciado às vésperas da morte, mas esquecido enquanto vivo.

Vingren é decantado agora, mas foi voto vencido em diversas questões discutidas na AD de sua época. Doente de malária desde o primeiro ano de sua chegada, não viu seu projeto de igreja se realizar. Depois de vinte e dois anos no Brasil, retorna para Suécia em 1932 e falece no ano seguinte. Se na Suécia a Igreja Estatal Luterana lhe traria dificuldade de exercício ministerial, aqui no Brasil a igreja que ele fundou fez o mesmo. Ele era formado em teologia, algo que nenhum outro missionário sueco ou pastor brasileiro era naquela época. Todos eram contra esta “fábrica de pastores ”. Por influência de sua formação batista, era a favor do que na época se chamava de “igreja livre” – em oposição à Igreja Estatal Luterana. Também era contra a existência de uma Convenção Nacional. Mesmo assim, a convenção aconteceu em 1930. Por causa de atuação de sua esposa, Frida Vingren, era a favor da mulher no ministério. A Assembléia de Deus, fundada nos EUA em 1914 tinha pastoras e missionárias; no Brasil não as reconhecia oficialmente. Mas em 1925, na AD do RJ, ele consagrou uma diaconisa enquanto a igreja, oficiosamente, tinha igrejas dirigidas por mulheres, sendo algumas delas solteiras. O machismo dos líderes nordestinos, junto ao reacionarismo sueco proibiu essa prática. Vingren, então, amargou ver sua mulher que cantava, pregava, tocava diversos instrumentos, escrevia 80% do jornal, fazia poesia, letras e músicas de hinos, visitava hospitais e presídios além de realizar cultos públicos, ser boicotada, inclusive por seu conterrâneo Samuel Nystron, o mais ferrenho inimigo da mulher no ministério (Daniel, 2004).

Dentro dessa construção ideal dos missionários, a capacidade altruísta deles é a mais falada. Constrói-se a Suécia como o melhor dos mundos e o Brasil, o pior. Presumivelmente, os missionários saíram de um país rico, desenvolvido e vêm para uma Belém atrasada, cheia de doenças. Na Europa  existia  boa alimentação, bom clima; aqui, muitas enfermidades, pobreza, calor e, ainda por cima, perseguição religiosa. Evidentemente, esta percepção historiográfica assembleiana se dá visando realçar o caráter mítico dos missionários, mas Belém do Pará não é o inferno assim como a Suécia não é o paraíso. Como assinala Freston (1993:76): “A Suécia da época não era a próspera sociedade de bem-estar em que se transformou posteriormente. Era um país estagnado com pouca diferenciação social, forçado a exportar grande parte de sua população”. Um testemunho insuspeito sobre isso é de Frida Vingren, que chega a Belém em 1917: Cheguei ao alvo de minha viagem. No dia 3 de julho à noite entramos no porto de Belém (...) A cidade parece grande e imponente. É bastante bonita com suas torres e casas altas. No dia seguinte de manhã tudo era sol e verão outra vez.  As margens do rio são lindas, com duas pequenas ilhas lá fora. As praias tão lindas eram baixas, um pouco monótonas e atrás estava a densa mata (Vingren, 1982:91).

Se Belém e seus arredores são um “mundo romântico, imensas selvas com grandes orquídeas e cipós por todos os lados” (Vingren, 1982:30), a descrição que Vingren faz do Rio de Janeiro em 1920, durante a sua primeira viagem é mais favorável ainda:

Aqui não faz calor nem frio, um clima agradável. A entrada do porto é maravilhosa e a cidade também é muito linda. Parece com os Estados Unidos, há fartura e muito luxo também.(...) Caminhei bastante naquele trânsito terrível e no meio de tudo senti o poder de Deus (Vingren, 1982:106). Tendo isso em vista, questiona-se se para esses missionários vir para o Brasil era realmente um sofrimento. Em 1911, o Brasil não era o paraíso, mas estava longe de ser o inferno. Tinha liberdade religiosa, algo que a Suécia, em tese, também existia, mas em uma série de textos escritos para revistas suecas na década de 1930 , os suecos falam deslumbrados  que, no Brasil, a lei  lhes dá a possibilidade de “pregar o evangelho em praça pública”. A história de todas as denominações registra inúmeras vezes em que os crentes, naquela época foram presos por influência da Igreja Católica. Os suecos também registram isso. Mas com uma ressalva: ao serem presos, eles exibem uma cópia da Constituição e o delegado é obrigado a soltar-lhes. Isso é sofrimento ou glória?


II – Desconstruindo os mitos fundantes:

              Na Igreja Primitiva havia desentendimento entre líderes (Paulo e Barnabé), nepotismo (Barnabé e seu sobrinho), líderes jovens cometendo deslizes (João Marcos), intransigência da liderança mais velha (Paulo), dissimulação (Pedro), líderes questionando uns aos outros publicamente (Paulo e Pedro). Isso considerando apenas a liderança, sem falar dos acidentes de Ananias e Safira, das relações incestuosas da Igreja de Corinto, das práticas pouco recomendáveis de Laodicéia. A lista é interminável. Uma constatação óbvia: tratava-se de uma igreja “normal”. Nem melhor nem pior que as de hoje. Igreja feita de gente normal e liderança idem.
            Paulo, Barnabé, Pedro, João Marcos perderam a auréola de heróis por conhecermos seus erros? Pelo contrário, eles se engrandecem ao se tornaram mais humanos, mais normais. No entanto, a história de missões de nossas denominações é feita de heróis perfeitos, sem nenhum erro, nenhum deslize. Homens e mulheres santos que renunciaram suas vidas, sempre deram o melhor, nunca se cansaram e estavam sempre servindo em harmonia. Nenhuma denominação escreve sua história contando os presumíveis erros de seus fundadores, com a Assembléia de Deus não seria diferente. Daniel Berg e Gunnar Vingren na história assembleiana são perfeitos, muito mais do que os apóstolos na Igreja Primitiva. Algo que certamente nenhum deles pretendeu.
Atualmente, passadas décadas da morte daqueles missionários, os suecos são elevados à categoria de “líderes ideais” ou, para usar, a expressão weberiana, “com capacidade extracotidiana” (Weber, 1998:31). No entanto, durante suas atividades no Brasil eles foram contestados diversas vezes. Evidentemente os registros nos três livros de história oficial da AD foram atenuados. Contudo, há algo mais explícito nas Atas das Convenções. Mesmo sendo um primor de dissimulação, em dado momento, a pergunta feita na Convenção de São Paulo, em 1947, é: “qual a superioridade dos missionários em relação aos pastores?” O assunto foi discutido em diversas sessões. A que conclusão chegaram? Mudaram a pergunta, o que se deveria discutir não era a superioridade do missionário em relação ao pastor, mas “qual a diferença entre um ministério e outro?”.
             Poderia ser questionado o que aconteceria se, por acaso, Vingren e Berg tivessem brigado? Ou um deles cometesse um deslize grave, como um adultério? A partir de suas próprias memórias é possível recordar alguns episódios que poderiam entrar na conta de “inabilidade missionária” dos mesmos. É bom lembrar que os “erros” no campo missionário devem ser alocados na conta pessoal e não na instituição. Também é sintomático que Vingren tenha escrito vinte e cincos diários, mas sua biografia, como seu próprio filho admite no prefácio, foi editada  para publicação de apenas um livro.

            Em 1920, Vingren faz uma viagem de inspeção missionária pelo sul do país. Ele morava em Belém e, considerando as condições de transporte da época e sua condição precária de saúde, pode-se imaginar o heroísmo de tal viagem. Durante a viagem missionária ele visita um grupo batista leto no interior do Paraná. A celebração étnica-religiosa incluía dança, algo que escandalizou o sueco a ponto de ele repreender os irmãos. Resultado: foi expulso da reunião (Vingren, 1982:108-109).

Como reagiríamos se o pastor-presidente da AD fosse pregar em uma Congregação Cristã? ou fizesse um acordo estratégico de missões com a Igreja do Evangelho Quadrangular? Além disso, sabe-se que Vingren diversas vezes teve manifestações de risos nos cultos, a ponto de precisar deitar e não conseguir prosseguir a reunião (Vingren, 1987:66,77,80).

“Conforme já foi visto, não se pode esperar muito  de Daniel Berg,  que sempre esteve  alijado de todo o processo e,  segundo testemunhas,  nunca dominou a língua portuguesa. Ele tinha  pouco estudo e  talvez fosse analfabeto. Afinal, conforme ele mesmo disse, queria “servir ao Senhor com sua força física” (Berg, 1995:16).

Em 1913 foi enviado pela nascente igreja de Belém seu primeiro missionário. Tratava-se do português Manoel Plácido que seguiu para Portugal (Conde, 1960:36). Em 1930, Berg também passa um período em Portugal. Não está claro até hoje se ele foi enviado oficialmente como missionário da AD brasileira. Qual o resultado desta investida missionária? A história oficial da AD portuguesa registra o seguinte:

“A AD que se chamava no Brasil e nos EUA Missão da Fé Apostólica, iniciou-se precariamente em Tondela, Portugal, em 1913, e definitivamente, em 1924 muito ao sul, na cidade de Portimão (...) na capital do país através do missionário Jack Hardstedt, e em 1934 organiza-se a primeira AD em Lisboa” (Barata, 1999:7,9)

Sobre Berg, a história oficial registra sua passagem em Portugal, mas não indica o que ele fez ou deixou de fazer. Berg era, então, uma nulidade? Sua biografia ressalta muito a sua condição de evangelista, de colportor. Diversas pessoas que entrevistei lembram que ele apenas dizia “Jesus Salva”, “Jesus é bom, irmãos”, e nunca conseguia articular frases ou conceitos complexos. Nunca exerceu o poder, ficou fora da história. Um missionário que não constrói prédios, não exerce liderança ou não assume algum cargo na estrutura da igreja, mas “apenas” entrega folhetos ou vende Bíblias não podia “virar” herói. Cabe questionar se ele nunca exerceu o poder porque não quis ou porque não deixaram? Seria interessante saber se para ele sua “desimportãncia” foi sofrimento ou glória?
   
Diante disso, pode-se levantar duas hipóteses :

l) Considerando os critérios atuais de seleção dos missionários dificilmente Berg seria aprovado por alguma agência missionária.  Afinal era um operário sem formação, semi-analfabeto, com dificuldade de aprendizagem lingüística.

2) Como seriam medido os resultados do trabalho desses missionários depois de  vinte anos.  Berg não havia aprendido a língua, não exercia liderança e não assumiu nenhum posto na hierarquia. Continuava tão somente distribuindo folhetos nos trens e vendendo Bíblias. Vingren, por sua vez continuava um doente crônico de febre amarela e malária, alternando longos períodos de convalescença e pequenas atuações na igreja, deixando o trabalho na mão de sua mulher.
Certamente esse projeto missionário seria considerado um fiasco pelos critérios humanos!

III – Re-construindo os heróis.

Heróis? Sim. Sem nenhum mérito para a instituição, mas muito pelo que fizeram, e mais ainda  pelo que não puderam fazer (ou não os deixaram fazer). Esta investida missionária tinha todos os ingredientes para dar errado. A viagem demorou 18 dias, de Nova York para Belém. Os missionários viajaram de terceira classe e a primeira vez que ouviram português foi dentro do navio. Não tinham preparo missionário transcultural e até mesmo sua roupas eram inadequadas para o calor da Amazônia . Sabiam pouco sobre o que encontrariam aqui e tinham apenas uma vaga idéia de um patrício seu trabalhando na Amazônia, o pastor metodista Justus Nelson. Na época, o mundo todo vivia em tensão, prestes a desembocar na Primeira Guerra Mundial. Eles não tinham suporte de uma igreja local e nem sustento financeiro garantido. Vinham de um avivamento pentecostal que nos seus primeiros dias tinha uma péssima fama: ser uma igreja liderada por um negro cego de um olho (Hollenweger, 1976; Dayton, 1987) e cujos demais líderes eram mulheres. Mas não se tratava de uma exceção, pois no início do século XX as lideranças pentecostais eram majoritariamente negros e mulheres. Pode-se imaginar como os demais líderes denominacionais viam este tipo de movimento, afinal depois de quase um século  o racismo e o machismo da Igreja ainda está longe de ser curado.

A grande heroína esquecida:

Frida Vingren é “o silêncio que deve ser ouvido” (Gouveia, 1986) . Como o próprio Vingren reconhece em seu diário a “minha esposa, junto com os obreiros da Igreja, têm levado a responsabilidade da obra (...) a irmã Frida tomou a frente dos cultos ao ar livre” (Vingren, 1982:131, grifo meu). Vingren não contava com a característica fundamental da AD que Freston (1993) denominou de “etos sueco-nordestino”. A mistura desses dois tipos de machismos destruiu aquela mulher. Frida era muito independente para sua época. Viajou sozinha em 1917 para vir casar no Brasil. Tinha profissão definida: era enfermeira formada. Exerceu todas as (im)possíveis atividades que uma mulher podia alcançar então. Na foto oficial da convenção de 1930, ela aparece sozinha, postada no meio de dez homens. Certamente iniciou uma luta em diversos flancos: não teve apoio dos obreiros nacionais nem dos seus compatriotas e, tampouco das suas compatriotas, apesar de existirem jovens solteiros/as exercendo liderança da AD (Alencar, 2000). Frida era uma mulher valente, mas não foi páreo para os “cabras machos” nordestinos em conluio com Samuel Nystron (Daniel, 2004). O retorno para a Suécia antes do esperado, provavelmente, conseguiu acabar com seu ministério e com sua vida . Frida é a grande heroína não reconhecida da história de missões no Brasil, principalmente na AD, pois esta igreja tem uma historiografia que visibiliza apenas homens. Aliás, neste caso, caberia muito o excepcional título do trabalho de Laura Sá Aragão (2004) “Chamadas por Deus, ignoradas pelos homens”. Neste caso, ela torna-se uma heroína muito mais pelo golpe que recebeu do que pelo que não a deixaram fazer. A tipificação (exclusiva) do sofrimento como característica da vida missionária não deixa de ser uma forma institucional de amordaçá-la em suas possíveis conquistas e reivindicações. Aos candidatos(as) fica implícito que resignação é sua característica mais necessária, nada de exigências ou pedidos. Como bem diz Berger (1978:140) “o universo simbólico é o principal ordenador da história”.

   
Conclusão

            Cabe perguntar se Daniel Berg e Gunnar Vingren perdem a aureola de heróis por causa dos seus presumíveis erros ou alcançam-na porque a história oficial o diz? Em hipótese nenhuma. Pelo contrário, crescem. Tornam-se mais humanos, mais normais, mais santos, mais heróis. Não pela história oficial, mas pela humanidade dos mesmos. Ademais, Frida é mais heroína do que qualquer outro personagem e até hoje não teve o destaque merecido. Resta saber se ela desejava isso. Talvez quisesse apenas uma oportunidade para continuar fazendo o que tanto gostava, mas não a permitiram. Em suma, sofrimento para um missionário (seja homem ou mulher) talvez não seja exatamente o que ele faz com dor, tristeza, pobreza, mas muito mais o que ele não pode fazer – ou não deixam que  faça – com alegria. 


Bibliografia

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Palavras chaves: história missionária, pentecostalismo, construção ideológica.

Cortesia do Gedeon Freire de Alencar ao:
©Blog do DesProf.Peixoto

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